sexta-feira, 13 de setembro de 2013

AMAR A QUEM NÃO ME AMA - BRÁULIA RIBEIRO




Eu estaria mentindo se dissesse que depois que me tornei cristã nunca mais tive problemas, desamores, desilusões, que nunca mais experimentei traições. Estaria mentindo se dissesse que as instituições cristãs melhores ou mais nobres do que as não cristãs. Estaria mentindo se dissesse que de dentro do seu círculo de amigos e irmãos mais próximos você não precisa esperar facadas nas costas, abraços falsos, ou simplesmente distâncias doloridas e inexplicáveis.

Nestes anos todos de campo missionário pude conviver com o que há de melhor e mais nobre na natureza humana. Vi e vivi o auto-sacrifício, o despojamento, o amor de entregar a vida uns pelos outros. Mas vi também o que há de ruim, de sórdido e de mais mesquinho. Vi egoísmo, batalhas de poder, amarguras marcadas a fogo em corações, armas de guerra religiosa lustradas constantemente por teologias falsas, desamor puro e simples.

Na minha própria jornada, apesar das decepções pessoais vivi o engano de achar que tudo estava perdoado. Quando pregava ou ouvia sobre o perdão, pensava: “Ah sou catedrática nisto! Perdoei a todos o que me feriram…” Tive até a oportunidade de fazer o “bem” a irmãos que não me foram tão honestos. Me sentia orgulhosa: “Esta área não é problema pra mim”.

Foi quando alguém me perguntou: – Você ora pelos que te feriram? E se ora, ora como?

Não oro, tive que admitir. Tenho coisas mais importantes pra fazer, me enganei. Mas a misericórdia do Senhor não me deixou. – O que é mais importante Braulia do que amar quem não te ama? Se leio a Bíblia direito tenho que admitir que não existe nada mais básico, mais fundamental na fé cristã. Se queremos habitar n’Ele, compartilhar da natureza de amor de Deus a primeira coisa que temos que fazer é aprender a amar. Não sabemos amar, assim como não sabemos muita coisa na nossa vida de fé. A fé é um aprendizado racional do se “ser como Deus.” – Como aprender a viver sua natureza meu Senhor? – “Aprenda a amar.

Foi assim que comecei como um sedentário fazendo exercício físico pela primeira vez: – Quero orar pelo Fulano, Senhor. Abençoe-o. Mas se abençoar significa encher de graça de amor, de provisão financeira, se significa desejar para ele a mesma felicidade que desejo para mim e para os que amo, ah então não sei não…

A palavra: abençoe – se enrosca, se torna pesada. O que meu coração deseja é “justiça” mas não na definição divina, vertical que nos chega através da misericórdia. Quero a “justiça” entre aspas, melhor traduzida como vingança. Quero árvores secas, alforges vazios, quero para eles a solidão que me assolapa, quero o mesmo fracasso que me faz chorar amargo.

Meu estado interior se revela a mim como o de Isaías se revelou a ele diante do trono de Deus. Como minha fé é pequena, limitada, egoísta, empapelada de desculpas bíblicas para odiar, para me vingar, para excluir, para isolar. Choro agora, não por eles, mas por mim. Como este Deus vai me perdoar? E se Ele resolver cumprir sua palavra e perdoar-me apenas na proporção com que eu perdôo?

Recomeço, insistente. Para orar pelo que não me ama, tenho que primeiro desenterrá-lo. Me lembro de um conto de Patricia Highsmith que li quando criança: Estranhas mortes na Repartição. O homenzinho trabalhava num escritório do governo, era excêntrico e cobrava das pessoas uma perfeição que tornava impossível a interação social. Terminou por matar uma a uma com requintes de crueldade as pessoas que o cercavam. Mas a autora nos revela que os assassinatos não são reais. O homenzinho se cerca de mortos porque não pode conviver com os vivos.

Orar por meus “mortos” me obrigou a desenterra-los, um a um, com as mãos, sentindo-lhes o cheiro, tocando-lhes a carne. Qdo os desenterro, os coloco de pé, a meu lado e ando com eles até onde Deus está. Ressurretos meus mortos me vigiam. Não é fácil sentir-lhes vivos ali comigo, ouvir-lhes o coração, as rever suas dores, tornar-me uma com eles na oração desejando-lhes o mesmo bem que o Senhor lhes deseja. Ah Senhor, não sei orar.

Tento de novo e as palavras vem, esparsas, gastas, clichés religiosos viciados. E o Senhor me diz: “Não, não é assim que você ora minha filha. Onde está sua paixão, sua intensidade, onde está seu coração íntegro? Oração pela metade não dá. Oração en passant também não funciona. Quando eu levantar a minha mão para encher o outro de bênçãos de amor, quero o seu regozijo sincero. Quero que você se veja como participante daquele momento. Eu vou abençoá-los porque você orou por eles.”

Enfim a oração flui. Honesta. Não são mais os mortos, não são eles, é uma parte mim que ressurge. Volta a vida o meu amor enterrado, a minha esperança, o meu centro. Enfim as lágrimas não são mais amargas e duras. Me alinhei com ele. Posso orar pelo “inimigo”. Posso visualizá-lo recebendo carinhos do Pai de amor, inundado de bondade. Aconteceu o milagre da fé. Voltei a me encontrar em seu amor. Voltei a participar de sua natureza de amor. Até o próximo tropeço no meu egoísmo.



Uma esquerda religiosa e sem esperança - Filipe Samuel Nunes em Gospelprime

As pilhagens e o gosto pela violência que atravessa os Estados Unidos têm surpreendido o mundo. Alguns argumentarão que o problema racial é...