Todos vivem em constante tensão. A vida é complexa, paradoxal e plena de riscos – jamais passeio despretensioso. Sem parar, todos marcham responsáveis e, ao mesmo tempo, vítimas das circunstâncias. As estradas escolhidas bifurcam. Uma simples decisão gera desdobramentos mil. Poetas, místicos e filósofos já perceberam: o siso necessário para enfrentar a aventura de viver se ramifica infinitamente. Todo instante, inédito, exige a precisão de um relojoeiro.
Viver não é para amadores. Tudo o que se faz produz ondas. Semelhantes à pedra jogada no meio da lagoa, escolhas também se propagam em círculos concêntricos. Espalham-se. No caso da pedra, as marolas morrem na margem do lago. Com os humanos, as consequências se alastram para sempre. Ninguém tem o controle dos efeitos de suas escolhas, que se repercutirão eternamente.
Viver não é para amadores. Os pais influenciam os filhos. Tanto bondade como maldade se reproduz nas gerações. Crianças sofrem sequelas de famílias disfuncionais. Muitas, oprimidas e castradas emocionalmente, não conseguem quebrar o ciclo da disfuncionalidade.
Viver não é para amadores. Sem saber organizar desejos, a vida pode se perder em projetos irrelevantes. Sem dar sentido ao cotidiano, a existência pode patinar no tédio. Porém, quais princípios, verdades e valores servem para direcionar o cotidiano? As pressões do dia a dia têm a capacidade de destruir quem não escolhe; contudo, escolher sem cessar, cansa.
Viver não é para amadores. Os indivíduos precisam uns dos outros enquanto se magoam. O próximo pode se tornar fonte de alegria ou de frustração. Os que se isolam, empobrecem. Chega a hora de dizer basta para as decepções. Mas, não é possível resguardar-se do amigo sem perder o viço. Só vive quem não considera o outro a razão do seu inferno. O céu não é fácil, já que se torna necessário relevar as inadequações alheias. Só o longânimo tem chance de ser feliz em um mundo lotado de intolerância.
Viver não é para amadores. A existência se mostra imprevisível. Não há como controlar a história ou situar eventos futuros dentro de qualquer lógica. Por mais que religiosos prometam, filósofos pretendam e sociólogos estudem, a história não se restringe aos trilhos do destino. De repente, sempre de repente, o improvável desaloja os mais criteriosos; nessa hora, teimosia. Não vou desistir! A viagem rumo ao porvir requer brios até dos tímidos.
Viver não é para amadores. Nunca é fácil equilibrar o lazer com o dever, o ócio com o trabalho. Muito lazer, sinônimo de tédio e muito dever, de estresse. A preguiça acompanha o ócio, e a fadiga, o trabalho. O Eclesiastes avisa sobre o tempo de todas as coisas: “tempo para plantar e tempo para arrancar o que se plantou, tempo de cozer e tempo de rasgar, tempo de juntar e tempo de espalhar o que se juntou” – que peso viver entre acontecimentos tão contraditórios.
Viver não é para amadores. Depressão e riso, alegria e tristeza formam a história de cada um. Quem foge da tristeza acaba neurótico, em negação, à procura de um mundo ilusório. Por outro lado, quem não sabe rir termina inclemente, à caça de gente para povoar o seu purgatório.
Viver não é para amadores. O sofrimento do mundo dói muito. Crianças vasculhando monturo de lixo, bombas mutilando, epidemias arrastando milhares para um fim triste. Como achar alegria para celebrar aniversários, casamentos e formaturas? Os que se blindam para não sentir a dor universal sucumbem, cínicos. Já os inconformados com o sofrimento universal são tentados a destilar rancor quando falam e escrevem.
Viver não é para amadores. O tempo passa velozmente carregando tudo e todos. A pior angústia? Ver a areia da ampulheta e o pêndulo do relógio avisando que o calendário escasseia. Vaidade e megalomania, ladras, espreitam em cada esquina. Alguns não se dão conta que jogam a vida fora. Valorizar o instante parece o segredo onde mora a felicidade, mas ele foge.
Viver, definitivamente, não é para amadores.
Soli Deo Gloria
fonte: site do Ricardo Gondim