sexta-feira, 20 de junho de 2014

Um universitário confuso encontra um cristão ex-ateu - Kelson Mota no blog resistência reformada





Após uma aula sobre entropia e probabilidade, nos corredores de uma querida universidade gaúcha, um aluno me aborda:

- Professor, posso falar um pouco contigo?
- Diga! Qual o problema?
- Sua aula sobre entropia e probabilidade. Me deixou confuso.
- Em que sentido?
- Dá a entender que há um sentido por trás de todas as coisas.
- E não há?
- Eu acho que a vida não tem sentido algum. Um completo absurdo.
- Entendo... Por que estás fazendo uma faculdade de engenharia?
- Bem, preciso ter uma direção na vida?
- Por quê? Em sua visão, a vida não tem sentido, logo por que perder tempo em algo que é absurdo?
- Já pensei nisso. Mas sua aula dá a impressão que há um sentido. Há?
- Se não há sentido na vida, não há sentido em sua pergunta e nem em nossa conversa. A não ser que desconfies que sua visão esteja errada. Estou certo?
- Talvez... Como posso saber? Tudo é tão além de qualquer significado real...
- Existe algo fundamental que sustenta toda a realidade e empresta significado real a todas as coisas e dá-lhes um sentido e propósito. Negar este fato é ficar na beira do abismo do ser, olhando o vazio.
- E o que é isso?
- Não desconfias?
- O senhor está falando de Deus?
- Precisamente dEle.
- Não sei se acredito nisso.
- Se não há Deus o que resta ao homem?
- Ora, todas as coisas... eu acho...
- Cite uma.
- Bem, a vida. Que tal?
- Se não há Deus, a vida é, na melhor das hipóteses, apenas um acidente entre dois esquecimentos. Nascemos por mero acaso biológico e morremos no decurso temporal. O que veio antes e o que será depois não tem importância ou sentido, pois a vida ter-se-á sumido. Nada veio antes e nada ficará depois. Logo a vida é uma ilusão e os desejos do homem um absurdo. Cite outra.
- Bem, o homem pode sonhar com sua evolução pessoal.
- Como, se ele morre e depois nada resta? Qualquer legado que deixar ou sonhar cedo ou tarde se apagará.  O sonho é, portanto mais ilusório que a vida, caso não consideremos a existência de um Criador. O que achas?
- Eu não sei... Começo a achar que deve ter algum sentido nessa vida, mas não sei se Deus é a resposta.
- Entendo... Veja, se não há um Deus Criador, pessoal e amoroso, então o universo sempre existiu de uma forma ou de outra por si mesmo, autônomo. Sem Deus, sobra apenas a matéria incriada, sem sentido, sem moral, sem justiça. Interações caóticas de partículas que, em um momento de fenomenal absurdo, geraram seres que imaginam pensar viver, mas são apenas reflexos de matéria inanimada. Um simulacro de movimento, um espasmo de forças materiais. Está acompanhando?
- Sim...
- Pois bem, a organização desses seres é apenas acidental, pois se só há o universo, o conceito de bem, mal, moral, justiça, altruísmo, bondade são apenas ilusões. Os sonhos humanos são feitos de material ainda mais frágil, pois que são transitórios. Não resta nada ao homem além do absurdo da vida em um universo não vital, impessoal e indiferente. Não importa o que ele intentar fazer, sonhar ou construir, ao fim e ao cabo será sem sentido, sem pertinência, sem transcendência. O que nos traz de volta a você.
- O que tenho a ver com isso?
- Se Deus não existe não há base para sua desconfiança que haja algum sentido nessa vida. Vá viver e morrer sua existência miserável em qualquer lugar ou situação que escolher. Não fará diferença. Agora, se Deus existe, há um sentido para essa vida e para todas as nossas escolhas e decisões. E a forma de viver e morrer faz toda a diferença. Entendes?
- Então há um sentido?
- A questão que sobra não é se a vida tem sentido, mas se há ou não um Deus sobre todos nós. A primeira decorre da segunda. A idéia de um sentido existencial só faz sentido em relação a uma realidade superior.
- Mas, e se não houver um criador?
- Então meu caro, se nossa esperança se resume apenas a esta vida, a humanidade tem uma existência mais infeliz e miserável que o menor dos vermes de nosso planeta, que nada cogita dessas coisas e vive apenas a procura da próximo oportunidade de forrar o estômago. Não gera consolo ou sentido a vida sem a existência de um Criador.

***

            Semana seguinte, em meu gabinete na UFRGS, alguém bate a porta e a entreabre.
- Professor, o senhor tem um tempinho para mim? – o mesmo aluno do corredor.
- Pode entrar. Alguma dúvida da aula?
- Não, não é isso. Estou gostando de uma garota...
- Aãhh? E o que tenho a ver com isso? – Pergunto cuidadosamente, como que pisando em ovos.
- É que ela é como eu, não acredita em um sentido para a vida.
- Volto a perguntar: o que isso tem a ver comigo?
- Bem, tenho medo que ela se mate... Ela está meio que numa fase suicida.
- Entendo... E por que te preocupas com isso? Deixe que se mate – e volto meu olhar para o papel em que rabiscava algo.
- Professor! Fala sério! – e sua expressão alarmada não provoca nenhuma alteração em minha face tranquila.
- Estou falando e te levando muito a sério. Considero seriamente quando dizes que não acreditas em um sentido para a vida. Se a vida não tem sentido, por que te preocupas com a vida dessa moça? A vida não tem sentido, é o que você crê. Logo, a vida dela também não tem sentido. Sua preocupação não faz sentido. Deixe que morra. Aliás, nessa sua cosmovisão, nem mesmo minha afirmação faz qualquer sentido.
- Mas a vida tem que ter algum sentido!! Qualquer um!!
            À sua expressão de desalento respondo com um olhar silencioso. Após uma pausa, para que ele tivesse consciência de sua afirmação, respondo:
- Muito bem, então estás desconfiado que a vida não é apenas um mero absurdo. Pergunto, o que sentes por ela tem sentido e significado para ti?
- Sim... – responde acabrunhado, olhando para o chão.
- É real? Ou apenas ilusório?
- É real.
- Pois bem, escute atentamente o que vou dizer: a vida tem sentido, nossas palavras têm significado, nossas escolhas são reais e buscamos e lutamos por realização verdadeira. Por quê? Porque somos reflexos dAquele que nos criou. NEle encontramos sentido, significado e realização. Sem Ele, o homem se encontra só, assustado, na escuridão de seu próprio coração. O que sentes por essa garota tem significado especial, porque o Senhor Deus colocou em teu coração a capacidade de amar, de se importar com outro alguém. Entendes?
- Acho que sim. Mas o que posso fazer para convencê-la a não se matar?
- Você? Nada! Um cego não pode guiar outro cego. Primeiro, deves estar seguro do sentido da vida para ti. Não podes convencê-la disso, se você mesmo não entende. Fazê-lo, seria hipocrisia ou mesmo loucura.
- Mas, alguma coisa tenho de fazer por ela, até que eu possa compreender. O senhor não tem alguma sugestão?
- Ela gosta de ler?
- Muito.
- Então posso sugerir um ou dois livros que talvez façam alguma diferença.
- Acho que não precisa. Eu já dei um de presente para ela, na semana passada.
- Mesmo? Que bom. Qual livro deste.
- “A peste”, de Camus – e abre um orgulhoso sorriso.
- Por que não deste logo um revolver para ela se matar? Você tá louco?!
- Como assim, professor? – e todo sorriso se transforma em uma expressão assustada.
- Como “como assim”? Se a garota está em um estado suicida, como pôde dar para ela ler um clássico niilista? É pedir para se matar. Só faltou a presenteares com Nietzsche e um pacote de cianureto.
- Mas o livro fala da falta de sentido da vida...
- Que é precisamente o motivo dela querer se matar. Você não entende o que lê?
- Nem pensei nisso... o livro é tão viajante...

***

Duas semanas depois, em meu gabinete, volto a receber a visita já familiar do meu aluno confuso favorito, que ao entrar na sala dispara a falar.
- Professor, ela adorou o livro que o senhor sugeriu e está começando a ler o segundo. Eu já li os dois e estou cheio de dúvidas. Qual é exatamente a natureza do grande abismo? O que era o lagarto no pescoço do homem? Como o cristianismo pode ser diferenciado de um mito? Como...
- Calma, está na hora do lanche. Vamos ao café do Antonio e lá poderemos conversar com tranquilidade.
E devagar, compartilhando um suco e um café, converso a respeito dos livros de C.S. Lewis, da vida do Filho de Deus e seu sacrifício, de minhas próprias inquietações e de minha vida anterior no ateísmo. Respondo suas perguntas e faço outras tantas. Ele ainda não está convencido da veracidade do cristianismo, mas já considera a existência de um Criador como algo digno de sua total atenção.
Despedimos-nos com um caloroso aperto de mão. Em meu coração suspiro uma breve oração a seu favor, por iluminação e entendimento.
Meses depois o reencontrei nos corredores do Instituto de Química, estava apressado. Perguntei-lhe sobre a moça, alvo de seus afetos.
- Ela saiu da fase depressiva e suicida. Agora está em outra. Encontrou um super grupo cristão, bem básico, e está lendo Thomás de Aquino.
- Sério? Que grupo é esse? – Pergunto desconfiado, pois nunca soube de um grupo básico que lesse Thomás de Aquino.
- É uma turma modernosa e acolhedora chamada Opus Dei.
- Você sabe o que é a Opus Dei?
- Sei não, acho que é um grupo que gosta de comunhão pelo tanto que a chamam para reuniões a portas fechadas. Só entra quem é convidado. Tô pensando em me convidar. O que o senhor acha?
- Ai, ai, ai...
E começa tudo novamente...

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