Não resta dúvida: o cerne da espiritualidade cristã está em seguir a Jesus.
No princípio, era o seguidor! Jesus irrompia inesperadamente e dizia: “Segue-me, venha após a mim”. A resposta positiva exigia uma ruptura com a maneira de viver até aquele momento do que aceitava o convite. A vida deveria ser reorganizada. O centro era o mestre e o caminho apontado por ele. Quem aceitava tal convite nos seus termos tornava-se um discípulo. Também, no princípio, existia o simpatizante: aquele que se emocionava com as palavras do Cristo, achava fantásticos os seus milagres, impressionava-se com a originalidade de suas atitudes, nutria enorme curiosidade por encontrá-lo – mas não colocava o pé no caminho. Simpatizava até o ponto de não precisar mudar seu estilo de vida. Tinha admiração, mas não estava interessado na transformação resultante da formação espiritual à qual todos os discípulos viveriam quando resolvessem caminhar o caminho proposto pelo Filho de Deus.Ainda no princípio, havia o consumidor. Este sequer tinha tempo de ouvir o Senhor; desejava, isso sim, comer o pão e o peixe multiplicados, ansiava pela cura da perna atrofiada, somente tinha interesse em ser restaurado da lepra... Uma vez alcançada a graça, nem sequer lembrava de retornar para agradecer. O discípulo seguia Jesus porque o admirava; o simpatizante admirava sem o seguir, e o consumidor nem seguia e nem admirava, posto que Jesus era apenas um provedor de suas necessidades, e não alguém a apontar-lhe um caminho transformador.Jesus conviveu indistinta e graciosamente com estes três grupos dentro da multidão que gravitava ao seu redor. Nunca se negou a oferecer caminho aos seguidores, admiração aos simpatizantes e provisão aos consumidores. Todavia, o rabi sabia que os discípulos eram os protagonistas para cumprir sua missão no mundo. Certamente, ele não contava com simpatizantes e consumidores para o estabelecimento do Reino de Deus. Estava certo, como sempre! Nos duzentos anos que se seguiram à sua morte, o pequeno e frágil grupo inicial de discípulos, apaixonado por sua missão, se espalhou por todo Império Romano. Eles haviam sido convocados pessoalmente para seguir um caminho; colocaram o pé na estrada e saíram pelas vilas e cidades com a mesma convocação com que foram convocados: sigamos o seu caminho. Quanto aos simpatizantes e consumidores, não se sabe o que aconteceu com eles. Afinal, quem fez a história foram os discípulos. Não resta dúvida: o cerne da espiritualidade cristã está em seguir a Jesus. Quando decidimos conscientemente seguir o seu caminho, então a espiritualidade cristã começa a fluir em nós. O Pai, pelo seu Espírito, vai nos transformando na imagem de seu Filho à medida que damos os passos no caminho. Fora do seguimento, não há espiritualidade. Todos nós estamos necessitados de retornar à experiência original dos primeiros discípulos. Sim, nossa carência essencial está em “ver” Jesus de novo surgir em meio à nossa complexa e agitada vida, cheia de cansaço e dores, e sussurrar com ternura e vigor ao nosso coração: “Vem e segue-me!” Quando ele irromper no nosso cotidiano, como aconteceu com os pescadores da Galiléia ou com o coletor de impostos da Judéia, com aquele sedutor olhar a nos convidar a seguir o seu caminho, e largarmos as redes ou a segurança da coletoria, aceitando seu convite, então, experimentaremos real comunhão com o Deus trinitário. Longe do caminho do Filho, não seremos capazes de enxergar a face do Pai e tampouco vivenciar a presença do Espírito. De fato, no cristianismo bíblico, espiritualidade é um mero sinônimo de seguimento.Se as nossas orações, liturgias, louvores, corais, células, congressos e mensagens não apontam o caminho do Senhor e não convocam o mundo para segui-lo, então, tudo isso pode até ser espiritualidade, mas não é cristã. Se nossas igrejas se tornam fontes de atração para consumidores e admiradores, ao invés de espaços comunitários formadores de discípulos, tenhamos consciência: todos devem ser tratados com graça e amor, como Jesus fez, mas só cumpriremos sua missão no mundo sendo e formando seguidores. Não deveríamos, mas, infelizmente, estamos hoje diante de uma encruzilhada, que por natureza é o entroncamento de dois caminhos. Entrar por um é necessariamente excluir o outro. Ou escolhemos a espiritualidade do entretenimento, que produz simpatizantes e consumidores, ou optamos pela espiritualidade do seguimento, a que gera discípulos. Tenhamos, contudo, uma certeza – desde sempre, Jesus já fez a sua escolha. Basta, apenas, que o imitemos nela.
Uma esquerda religiosa e sem esperança - Filipe Samuel Nunes em Gospelprime
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