sábado, 31 de agosto de 2013

IGREJA-GINCANA - MANOEL dC

IGREJA-GINCANA: Não quero jamais pertencer a essa igreja!


MANOEL dC


Ocorre à minha mente, que a sociedade é como uma grande gincana onde seus membros competem até à axaustão, culminando em alguns poucos “gatos pingados” que serão reconhecidos e premiados no final, para logo serem esquecidos e abandonados.

Desde muito cedo entramos no mundo competitivo, em um clima de concorrência além dos limites que conseguimos suportar. Isso acontece no jardim de infância, no colégio, na faculdade, na especialização, nos esportes, nos relacionamentos, na música e em todos os espaços da vida.

O mundo em que vivemos produz uma cultura opressiva, que extrai de nós multifacetados sentimentos ruins, o medo inconsciente de perder, e a ansiedade de não correspondermos às suas pressões e exigências inatingíveis de estética, fama, capacidade, competência e habilidade.

Delineia-se nitidamnte em nós o medo de não sermos reconhecidos, de não nos sentir plenamente adequados aos padrões impostos. Recrudesce impetuosamente esse sentimento latente de não sermos valorizados o suficiente pelo que fizemos, por mais que nos esforcemos para fazer o melhor, sempre aflora o medo de não sermos, no meio do qual estamos inseridos, o suficientemente capazes, engraçados, populares, ricos, interessantes, inteligentes, cultos, espirituosos, magros, musculosos, chiques, etc.

Não percebemos nem de longe o quanto somos marionetados por poderosos fios invísiveis que “querem fazer nossa cabeça” a qualquer preço.

A gigantesca mola propulsora dessa engrenagem chama-se consumismo. O consumismo por sua vez é retroalimentado pela força irresistível da propaganda que nos teleguia para comprar e obter mais e mais, apetrechos eletrônicos e bugingangas tecnológicas que jamais precisaremos e que, no fim das contas, não vão somar nem acrescentar nada de útil à vida.

PIOR QUE TUDO ISSO, É QUANDO ESSES CONCEITOS ESCOAM SUTILMENTE PELAS BRECHAS ABERTAS NA IGREJA E SE INSTALAM NO SEU MODO DE SER, SÓ QUE REVESTIDOS DAS MAIS SUBLIMES CAPAS DE ESPIRITUALIDADE, E COM RÓTULOS ATRATIVOS PINTADOS DA MAIS PURA SANTIDADE.

Entramos na igreja pensando em amar cada vez mais nosso querido Mestre, em crescer cada vez mais no relacionamento com Jesus e com os irmãos, em nos tornar cada vez mais livres dos vícios e pecados que nos escravizavam, mas quão cedo nos decepcionamos!

Porque é na igreja que vemos o imperativo do ter e poder, sobrepujando o simplesmente ser.

É na igreja que desmascaramos lobos vorazes disfarçados de ovelhas santificadas.

É na igreja que vemos proliferar como praga as ervas daninhas da fofoca, da maledicência e da suspeita.

É na igreja que vemos também existir a mesma concorrência asquerosa que existe na sociedade lá fora, “irmãos” competindo com “irmãos”, uns atropelando os outros, na conquista de mais reconhecimento e aplausos.

É na igreja onde a gincana é mais acirrada, no afã de se alcançar o prêmio de maior espiritualidade,de se ter maior quantidade de dons (principalmente aqueles que aparecem e promovem espetáculo).

É nessa Igreja-Gincana, que se vê a concorrência desigual por obter status perante a liderança, o desespero de irmãos que frequëntam vigílias com o intuito de serem vistos com mais “poder do alto”, no mais alto padrão de legalismo asfixiante.

Infelizmente ainda existem outras gicanas instituídas mais , como a corrida de saco de quem prega mais, a torta na cara de quem evangeliza mais, o futebol de sabão de quem ora mais, a briga de galo por obter mais discípulos aos quais possa mandar mais, a guerra de travesseiros de quem tem mais grupos, e a caça ao tesouro de quem tem a igreja maior, mais poderosa e mais rica.

E quem são os possíveis ganhadores dessa Igreja-Gincana? Certamente aqueles que se queixam de ser “filhos do Rei”, que reinvidicam “diante do trono” não terem nenhum tipo de crise, doença ou decréscimo financeiro, mas que também são os que mais vestem o disfarce da hipocrisia oficializada.

É por essa razão que muitos crentes/jogadores dessa Igreja-Gincana se cansam e ficam prostrados pelo caminho afora. São os que se sentem lesados, enganados, roubados, desclassificados e perdedores. São pessoas preciosas aos olhos de Deus que ficaram queimadas e agora remoem todo tipo de desilusão, fracasso e decepção.

Esses soldados feridos deixados pelo caminho, são os milhões de “crentes desviados” (é assim que a Igreja-Gincana os considera) e que se tornaram totalmente refratários a qualquer tipo de religiosidade que lembre, mesmo de forma distante, a igreja da qual saíram.

De onde menos se espera, é de onde se propaga com força de mandamento a venda de imagem. Nesse tipo de igreja, ao modo da sociedade, somos exigidos a sermos bonitos, bem vestidos (no mais requintado modelo burguês americano e europeu), espirituais, inerrantes (se só se suspeitar que pisou na bola, você está frito!), e mais enquadrados na visão de competição e concorrência conforme o mundo , não o Evangelho de Cristo.

NA VERDADE, A MAIORIA DAS IGREJAS DESSA GERAÇÃO PARECE QUE ESQUECEU DA VERDADEIRA ESPIRITUALIDADE SEGUNDO O EVANGELHO DE CRISTO.

O Evangelho de Cristo que desmantela de uma vez para sempre esse arremedo de igreja, a Igreja Competidora, a Igreja-Gincana, para erguer do meio dos escombros, a Igreja da Liberdade Consciente, que como Jesus, abraça com entusiasmado carinho os segundos, terceiros e enésimos lugares, e que vai gerar o exercício pleno da individualidade e desembocar na multiforme diversidade de dons, habilidades, caras, modos, jeitos, estilos e mentes, fruto da multiforme graça de Deus, tudo isso a serviço do mundo!

Termino aqui, lembrando do hino antigo que dizia:

“NÃO É DOS FORTES A VITÓRIA, NEM DOS QUE CORREM MELHOR;
MAS DOS FIÉS E SINCEROS QUE SEGUEM JUNTO AO SENHOR!




terça-feira, 27 de agosto de 2013

PRISÕES QUE NÃO POSSUEM GRADES - CARLOS MOREIRA

Prisões que não Possuem Grades






“Memórias do Cárcere” é uma obra póstuma de Graciliano Ramos publicada em 1953. Preso na época do “Estado Novo” sob a falsa acusação de ligação com o Partido Comunista, o escritor foi deportado para o Rio de Janeiro, onde permaneceu encarcerado por cerca de dois anos. 


No livro, Graciliano se ocupou em tornar público, “depois de muita hesitação”, acontecimentos da vida na prisão. Escrito dez anos após sua libertação, trás em si uma narrativa amarga, não obstante verdadeira. “Quem dormiu no chão deve lembra-se disto... Escreverá talvez asperezas, mas é delas que a vida é feita: inútil negá-las, contorná-las, envolvê-las em gaze” 

Já li comentários de que pessoas que foram presas, sobretudo injustamente, jamais voltam a ser as mesmas. O cerceamento da liberdade trás impactos tão violentos a psique que o indivíduo não consegue mais se reencontrar com sua essência, impõe-se a um auto-exílio rumo aos porões do ser, acaba soterrado sob densas camadas de sombras e silêncios.

Eu sei que há prisões que possuem grades, e destas é muito difícil escapar. Mas há outros tipos de prisões, que vão para além de impor ao corpo a reclusão ao cubículo ao qual foi confinado. Sim, estas masmorras são imateriais, sem grades, sem paredes, são calabouços que aprisionam não só à vontade, o desejo de liberdade, mas o ser, a alma, a consciência, a paixão e os sonhos.  

É fato que tenho encontrado, no chão da vida, muitas pessoas aprisionadas em tais “labirintos”. É gente que, sem perceber, tornou-se refém de circunstâncias, medos, traumas, sofismas, projeções, “carmas”, manipulações, culpas, vícios psicológicos, e toda sorte de situação que produz auto-engano e que acaba dando forma a uma imagem distorcida de si mesmo, a qual, projetada na “tela da existência”, reproduz um holograma monstrificado de quem enganosamente se pensa ser.

Em meus aconselhamentos pastorais, tenho me deparado com pessoas vivenciando tais dinâmicas. É gente que se tornou refém de marido, de mulher, de sogra, de filhos, tudo pelo estabelecimento de vínculos afetivos adoecidos, que acabam dando ao outro uma espécie de “licença para matar”, e, por assim dizer, produzem, pela via da culpa e do medo, todo tipo de escravidão e subserviência.

Há aqueles que estão presos a fatalismos e determinismos infundados, não raro fruto de comentários maldosos e recorrentes feitos por pessoas próximas, muitos dos quais se enraizaram na “alma” desde a infância. É gente que se sente “assombrada” por um “carma”, conduzida inexoravelmente por um trilho de onde não se pode sair, fadada a parar sempre na mesma “estação”, seguir sempre pelo mesmo caminho.

Também é comum encontrar os que se viciaram psicologicamente no fracasso, que sentem prazer na perda, no sonho frustrado, nas impossibilidades. Trata-se da negatividade alçada ao platô mais profundo do ser, gente cinzenta, sombria, que vive de olhar pelo “retrovisor”, lamentando pelo que passou, ansiando pelo que poderia ter sido, mas não foi...

Não menos danoso é o grupo dos que passaram a viver de uma espécie de “ração”, que esmolam da vida, se acomodaram em ser o que não são, estagnaram a consciência e amordaçaram o pensamento. Pessoas assim deixaram de acreditar no novo, na mudança, em possibilidades outras. Elas se acostumaram à mesmice, ao banal, ao trivial, seguem o fluxo, o curso, a rotina. Estão mortas, mas ainda não foram sepultadas, existem sem ser, sem saber vão, de arrastão em arrastão, vivem de “migalha de pão”, dos restos do ontem e dos fragmentos do hoje.

Finalmente, mas não menos triste, há os que adoeceram ao ponto de dependerem de medicação para viver, os chamados psicotrópicos, os quais se aplicam a distúrbios e doenças tais como ansiedade, depressão nervosa, distúrbio bipolar, psicose, pânico, dentre outras. Neste estágio há muita dor e desânimo, pois além dos sintomas próprios de cada doença, ainda há os efeitos colaterais dos remédios, tão diversos quanto possamos imaginar. Eles, sem pedir permissão, mudam as pessoas: alteram o olhar, o sorriso, os gestos, gostos, apetites e vontades.

Seria pieguismo e irresponsabilidade de minha parte dizer para você que a solução para todas estas coisas está na religião. Tolice afirmar que apenas reunião de oração, jejum e leitura da bíblia vão resolver o problema. Muito menos bizarrices do tipo: sessão do descarrego, culto de “libertação”, de “unção”, do "desencapetamento" total e outras mandingas do meio “evangélico” vão "liberar a benção". Estas reuniões estão mais para seções espíritas e são destinadas a curar todo e qualquer problema como fossem a “Água Rabelo”, um antigo remédio que se usava para tratar desde verminose até tuberculose. Não, eu não creio que seja assim.

Mas acredito que a cura passa pela experimentação da verdade, ou, como disse Tolstoi: “não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade. A liberdade não é um fim, mas uma conseqüência”. Eu creio que a maior parte dos problemas e dores humanas estão associados a não percepção da Verdade, e aqui afirmo Verdade não como paradigma existencial, mas como Caminho a ser caminhado, como experimentação de valores e princípios que mudam o ser, de dentro para fora, aos poucos, pela via da pacificação produzida pela Graça, em Fé e através do Amor, pela ação do Espírito Santo que é capaz de realizar aquilo que nada nem ninguém pode fazer em definitivo: sarar a alma! Sim, pois como disse Jesus: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.

Estou convencido de que há prisões que não possuem grades, mas que aprisionam muito mais do que aquelas que prendem os indivíduos, posto que é mais fácil libertar o corpo do que a alma. Como disse em texto recente “...eu não sei qual foi a porta que eu abri mas, quando dei por mim, já estava aqui! Curioso, também, é que eu não sei como sair; as portas daqui só possuem maçanetas pelo lado de fora! Aqui é todo canto e lugar nenhum”.

Gostaria de te ver livre desta prisão, destas amarras que prendem tua mente, tua alma, teu ser. Sei que só Deus pode te livrar disto tudo, mas esta experiência tem de ser vivida por cada um, a seu tempo e do seu próprio modo. Fiques, então, com o que escreveu Clarice Lispector: “liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome”.



quinta-feira, 22 de agosto de 2013

EM UM MUNDO MELHOR - LUIZ FELIPE PONDÉ

Luiz Felipe Pondé, na Folha de S.Paulo

É possível um mundo melhor? Sim e não. Sim, é possível um mundo melhor a começar por melhores remédios, casas, escolas, hospitais, aviões, democracia (ainda acredito nela, apesar de ficar de bode às vezes).
Não, não é possível um mundo melhor porque algumas coisas não mudam, como o caráter humano, suas mentiras e vaidades, sua violência, mesmo que travestida de civilidade, nossas inseguranças, nossa miséria física e mental, nossa hipocrisia. Nossas ambivalências sem cura. Os valores são incomensuráveis. Você até pode achar que na vida vale mais a pena “ser” do que “ter”, mas isso pode ser apenas um modo infantil de ver as coisas: não há “ser” sem o “ter” que sustenta tudo.
A famosa frase “que vão os anéis e fiquem os dedos” às vezes mais parece ser bem o contrário, “que vão dedos e fiquem os anéis”, porque os diamantes são eternos, e os dedos, não.
Resumindo: mesmo a tecnologia e a ciência, grandes fatores positivos, podem ser elas mesmas terríveis. Não é outro o sentido de se perguntar “como educar depois de Auschwitz?”, como se pergunta o filósofo Theodor Adorno. Mesmo a democracia pode virar coisa de “black blocs” ou demagogos que juram confiar na “sabedoria popular”. E isso dá bode.
Recentemente revi o filme “Em um Mundo Melhor”, de Susanne Bier, de 2010. Trata-se de um filme bastante didático, bom para escolas. Um médico sueco trabalha em algum lugar infeliz da África, enquanto sua família derrete na Dinamarca onde mora.
Seu filho é objeto de bullying (chamam-no de “rato” pelo dentes feios que tem e esvaziam o pneu da sua bicicleta o tempo todo). Ele nunca reage. É tímido e tem medo dos mais fortes. Sabe que se reagisse apanharia mais. Muitas vezes, a essência da coragem é perder o medo de sofrer além do que já se sofre. A verdade da coragem não é querer vencer, mas perder o medo de perder tudo que se tem.
Escolas de crianças são um escândalo. Um depósito de violência de todo tipo. Um lugar especialmente indicado se quisermos duvidar da existência de Deus usando o famoso argumento a partir do mal (“argument from evil”, como dizem os filósofos da religião americanos): se Deus existe e é bom e todo-poderoso, como o mundo pode ser mau como obviamente é?
Há todo tipo de resposta para isso, e elas compõem o que em teologia se chama “teodiceia”. Qual é o sentido de ser bom na vida? Há garantias de que o bem compensa? Não, não há, nenhuma.
Eu concordo com o filósofo Isaiah Berlin: não há teodiceia possível. Os valores são incomensuráveis entre culturas, pessoas, épocas históricas. Qualquer utopia não passa de um surto infantil projetado sobre o mundo. Não vai mais longe do que uma história de Branca de Neve.
Voltando ao filme. O médico é contra violência física. E vive isso de modo corajoso, não se pode negar. A vida que leva na África é prova de seu caráter. Enfrenta um sujeito que bate na sua cara na Dinamarca, quando está visitando sua mulher e filhos, de modo digno, revelando a estupidez que está por trás do brutamontes idiota.
Ela quer o divórcio porque se sente sozinha, é óbvio, e, aparentemente, além de deixá-la sozinha, ele andou comendo alguém por aí… Santo, mas nem tanto… Você pode salvar o mundo enterrando sua família. Olha aí a incomensurabilidade de que fala Berlin.
Ao final, seu princípio de não violência é testado na África e ele perceberá que para tudo existe um basta, e às vezes a violência é tudo que resta. Os pacifistas são também gente infantil.
Mas onde está esse mundo melhor no filme? A vida em casa degringola. O filho humilhado encontra um amigo que o protege na escola. Um menino corajoso, decidido e violento, que se move no mundo de modo oposto aos princípios do médico.
Na verdade, o menino é um desesperado, solitário, que acaba de perder a mãe de câncer, num processo doloroso que sutilmente o filme parece indicar ter chegado à eutanásia.
O mundo melhor parece ser aquele no qual as pessoas podem errar, pedir perdão e ser perdoadas. Um mundo melhor não é um mundo sem violência ou ambivalência, mas um mundo onde existe o perdão.

Uma esquerda religiosa e sem esperança - Filipe Samuel Nunes em Gospelprime

As pilhagens e o gosto pela violência que atravessa os Estados Unidos têm surpreendido o mundo. Alguns argumentarão que o problema racial é...