quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

SOPA DE PEDRAS - POR PAULO CILAS


Não me lembro de quando ouvi esta história e nem qual sua aplicação principal, mas, ela dava conta que para promover um engano culinário bastaria usar uma pedra. Ou seja, na ausência de uma carne, bacon, linguiça seria usada uma pedra. Pedra bem lavada, tamanho razoável. Posta na panela seria quase totalmente coberta de água. A seguir acrescenta-se cebolinha, tomate, urucum, repolho, couve, cebola, alho e pimentão. Pimenta e sal a gosto. Deixe ferver bem, retire a pedra e sirva o caldo.
E a pedra? Ora, a pedra era para iludir, apenas um efeito psicológico ou, ainda, uma referência. Bem, na história que ouvia, a pedra não sendo absolutamente nada se tornava fundamental.
Estamos fazendo muita sopa de pedra ultimamente!!! Refiro-me ao nosso culto. Estamos cada vez mais dependentes de chavões, de instrumentos alçados à condição de espirituais, como o berrante que, claro, tem de ser chamado pelo nome hebraico se não perde a graça. Mas, que continua sendo berrante, continua. Precisamos ouvir declarações que massageiam nosso ego: "Quero ouvir o som dos adoradores", "Onde estão os levitas", "um brado de vitória dos conquistadores, dos príncipes e princesas”, entre outras. Os anima...ops, digo, os ministradores estão sendo inovando com neologismos ou recauchutando terminologias antigas. Sem contar os atos proféticos reafirmando pela enésima vez que este é o "ano da restituição, da nova unção e do melhor de Deus ainda está por vir". Chegando ao cúmulo e ao acumulo dos absurdos – e diria mais: dos absurdos, dos abmudos e dos abcegos – de certo apóstolo, ao dizer que este seria "o ano de Abraão", insinuou que o fato de uma escola de samba de sua cidade escolher o mesmo tema era uma confirmação divina. Este pessoal tem que "renascer" urgentemente!
Nas páginas bíblicas, do antigo ao novo testamento, descobrimos que o que Deus requer mesmo é a simplicidade. Em meio a todo ritual estabelecido Davi descobre e revela: "Sacrifícios e holocaustos não quiseste, mas, a um coração quebrantado e contrito não desprezarás jamais"! A samaritana ouve de Jesus: Nem em Samaria, nem em Jerusalém. Apenas e tão somente em ESPÍRITO E EM VERDADE. Até Jerusalém!! Jerusalém que hoje tem se tornado a Meca dos evangélicos. Lá estão se rebatizando, trazendo amuletos, e, já que dizem ser o lugar abençoador e eles mesmos abençoados sobrenaturalmente, atam fardos de frustração sobre os que não têm dinheiro para tal.
Frustração semelhante deve sentir alguém que, espremido dentro do ônibus no calorão, ver pela janela um carro com ar condicionado com os dizeres: PRESENTE DE DEUS ou DEUS ME DEU.
Tudo pedra. Tudo sopa de pedra. Nós não precisamos disso para cultuar. Basta o temperinho simples. Deixemos de lado as palavras de ordem e mencionemos O VERBO. NO ônibus ou no carro, nós somos o templo.
Tiremos a pedra. Ou melhor, não coloquemos a pedra!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

JESUS NÃO SABE FALAR DE JESUS: PENSAM OS RELIGIOSOS! - POR CAIO FABIO


Uma das coisas que mais me chocaram quando comecei a ler os evangelhos tinha a ver com o fato de que Jesus parecia deixar muitas oportunidades de se explicar em aberto. Dava a impressão que Ele não fazia questão de explicar muito.
De fato, Ele apenas afirmava ou então simplesmente se retirava. Ou ainda, quando queria tornar a compreensão “mais fácil”, falava por parábolas. Nesse tempo, eu lia os evangelhos “torcendo” por Jesus! Depois comecei a ler livros teológicos, alguns meses após fazer as primeiras leituras dos evangelhos — descobri que era tarefa dos teólogos e apologetas explicarem essas coisas que nem Jesus e nem os escritores dos evangelhos se ocuparam em explicar.
Nessa época foi que descobri que para um evangélico “evangelizar” alguém, melhor do que qualquer coisa — não se podendo levar a pessoa “a ser ganha” até ao culto para ouvir “a palavra de Deus” — seria dar à pessoa, como presente, um bom livro. Pareceu-me que seria sempre melhor ler um livro que “explique bem as coisas”, do que apenas presentear alguém com os evangelhos. Sim, depois dos teólogos e dos apologetas, parece que Jesus ficou mais bem explicado por outros. Até melhor do que por Ele mesmo.
De fato, a sensação que dá é a de que Jesus não sabia falar de Jesus. Por isto é que nós temos que ajudá-Lo a se fazer entender. Daí também vem a idéia de que a apresentação de Jesus tem hora marcada e precisa ser feita por um profissional da apresentação pública de Jesus: o evangelista. Ou mesmo depois que este saiu de moda, pelo avivalista; e agora pelo showman de Jesus. Sim, porque do ponto de vista da religião, Jesus não explica Jesus bem! Além disso, essa falta de explicação de Jesus acerca de muitas coisas que julgamos serem importantíssimas acaba por justificar a existência das doutrinas da igreja.
As doutrinas é que tornam aquilo que para Jesus nem era um tema, numa questão de natureza essencial para a vida espiritual. Como Ele tratou a quase tudo que nos interessa com total descaso, deixando-nos sem saber de quase nada — e ainda dizendo que não nos competia saber ou procurar saber tempos e épocas que o Pai reservou para Sua exclusiva autoridade — surgiram os estudiosos da Escatologia. Estes, sem cometer a gafe “montanista” ou “adventista” de marcar datas (se bem que muita gente entre os evangélicos tem marcado adventistamente a data da Volta de Jesus), criam esquemas e cronogramas detalhados de como será o mundo até a Volta do Senhor. Se Jesus simplesmente chegar como o ladrão de noite, eles dirão: “Não deve ser Ele porque todos os sinais não se cumpriram”. Sendo que o “se cumpriram” é conforme o esquema e o cronograma deles.
Então chega a vez dos teólogos-filósofos tentarem explicar de modo sofisticado e descrente tudo aquilo que eles nem sabem o que é e que não crêem; pois a ciência não apresenta comprovação de tais fatos. Ou seja: eles “enchem” os vazios dos desinteresses deliberados de Jesus com afirmações de um conteúdo de descrença. Mas fica tudo cheio. Cheinho de nada. Embora os livros sejam volumosos.
Enfim, esta seqüência seria quase interminável. Porém, o resultado de tudo isto é que não se aprende apenas a crer no que está dito e pronto. Pior, nem quando a pessoa lê e entende, ela crê que está entendendo. Freqüentemente ela entende o oposto do que lhe é ensinado. Todavia, como se fez dependente da “interpretação” dos profissionais de Deus, ela acaba por desistir de seu próprio entendimento, entregando-se cada vez mais a outros. Desse modo permite que sua consciência e entendimento sejam decididos — contra o seu próprio entendimento original — por outras consciências, cada uma com seus interesses; ou na melhor das hipóteses, com seus próprios pré-condicionamentos.
Assim, digo eu a você: Leia os evangelhos! O que você entender não tema crer e praticar. O que você não entender não tema crer assim mesmo. E se for algo para praticar, ponha em prática. É na prática da Palavra, acompanhada pela fé, que ela se auto-explica. Mateus diz que quando Jesus enfrentou a morte, muitos dos santos que dormiam no pó da terra, ressuscitaram. Depois da ressurreição de Jesus, estes santos entraram em Jerusalém e foram vistos por muitos. Para mim basta isto. Aliás, nem era necessário saber. Mas está dito. Eu creio. Não sei quem eram esses santos que se ergueram da morte, nem com que finalidade. Também não posso dizer o que fizeram em Jerusalém e menos ainda, quando partiram daqui; em que forma, modo ou dimensão... Digo mais: não tenho o direito de especular a respeito e ter a audácia de fabricar uma doutrina baseada nisso. Como também não me sinto com permissão para “encaixar” essa narrativa em nada, fabricando uma escatologia.
O maravilhoso, quando não há uma explicação explicitada, é apenas curtir a maravilha das escolhas de Deus; igual a alguém que se encanta diante do mais maravilhoso cenário ou criatura que na natureza se possa ver ou contemplar. É como um show de Deus! É só explodir em aplausos de adoração perplexa e grata! Acredito que os antigos estavam certos na sua reação quando indagados de coisas que não sabiam explicar. Apenas respondiam dizendo: “É maravilha do Senhor! É maravilha do Senhor, irmão!” Para mim essa ainda é a melhor resposta! E mais: Deus fala de Si mesmo e Jesus também, usando todas as linguagens: do Cosmos à Palavra; da alegria à dor; dos ganhos às perdas; no nascimento e na morte; no encontro e no desencontro — enfim, de todas as formas; segundo a Ordem de Melquizedeque.

Nele, que faz como quer; e sábio é quem se alegra nisso,

Caio

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

ONIPOTÊNCIA E BONDADE DE DEUS - POR ED RENÉ KIVITZ

Acho que Epicuro foi quem formulou a questão a respeito da relação entre a onipotência e a bondade de Deus. A coisa é mais ou menos assim: se Deus existe, ele é todo poderoso e é bom, pois não fosse todo-poderoso, não seria Deus, e não fosse bom, não seria digno de ser Deus. Mas se Deus é todo-poderoso e bom, então como explicar tanto sofrimento no mundo? Caso Deus seja todo-poderoso, então ele pode evitar o sofrimento, e se não o faz, é porque não é bom, e nesse caso, não é digno de ser Deus. Mas caso seja bom e queira evitar o sofrimento, e não o faz porque não consegue, então ele não é todo-poderoso, e nesse caso, também não é Deus. Escrevendo sobre a Tsunami que abalou a Ásia, o Frei Leonardo Boff resume: “Se Deus é onipotente, pode tudo. Se pode tudo porque não evitou o maremoto? Se não o evitou, é sinal de que ou não é onipotente ou não é bom”.
Considerando, portanto, que não é possível que Deus seja ao mesmo tempo bom e todo-poderoso, a lógica é que Deus é uma impossibilidade filosófica, ou se preferir, a idéia de Deus não faz sentido, e o melhor que temos a fazer é admitir que Deus não existe.
Parece que estamos diante de um dilema insolúvel. Mas Einstein nos deu uma dica preciosa. Disse que quando chegamos a um “problema insolúvel”, devemos mudar o paradigma de pensamento que o criou. O paradigma de pensamento que considera o binômio “onipotência/bondade” como ponto de partida para pensar o caráter de Deus nos deixa em apuros. Existiria, entretanto, outro paradigma de pensamento? Será que as palavras “onipotência” e “bondade” são as que melhor resumem o dilema de Deus diante do mal e do sofrimento do inocente? Há outras palavras que podem ser colocadas neste quebra-cabeça?
Este problema foi enfrentado por São Paulo, apóstolo, em seu debate com os filósofos gregos de seu tempo. A mensagem cristã era muito simples: Deus veio ao mundo e morreu crucificado. Pior do que isso: Deus foi crucificado num “jogo de empurra” entre judeus e romanos, isto é, diferentemente dos outros deuses, o Deus cristão foi morto não por deuses mais poderosos, mas por homens. Sendo Deus, jamais poderia ser morto por mãos humanas, e sendo o Deus onipotente, jamais poderia nem mesmo ser morto. Paulo, apóstolo, estava, portanto, diante de um dilema semelhante ao proposto por Epicuro: Deus era uma impossibilidade filosófica.
Foi então que os apóstolos surgiram com uma resposta tão genial que os cristãos acreditamos que foi soprada pelo Espírito Santo: antes de vir ao mundo ao encontro dos homens, Deus se esvaziou da sua onipotência, isto é, abriu mão do exercício de sua onipotência, e por amor, deixou-se matar por eles. (Eu disse que “Deus abriu mão do exercício de sua onipotência”, bem diferente de “Deus abriu mão de sua onipotência”).
O apóstolo Paulo admitia que não era possível pensar em Deus sem considerar o binômio bondade/onipotência. Optou pela palavra amor, assim como o apóstolo João, que afirmou “Deus é amor”. Jesus de Nazaré foi Deus encarnado na forma de Amor, e não Deus encarnado na forma de Onipotência. Os cristão não dizemos “Deus é poder”, dizemos “Deus é amor”.
Isso faz todo o sentido. Um Deus que viesse ao encontro das pessoas em trajes onipotentes chegaria para se impor e reivindicar obediência irrestrita, impressionando pela sua majestade e força sem iguais. Jung Mo Sung adverte que “a contrapartida do poder é a obediência, enquanto a contrapartida do amor é a liberdade”. Também assim pensou o apóstolo Paulo, ao afirmar que o que constrange as pessoas a viver para Deus é o amor de Deus (demonstrado na morte de Jesus na cruz). Não é o poder de Deus que cativa o coração das gentes, mas sim o amor de Deus.
Na verdade, “Deus não tinha escolha”. Ao decidir criar o ser humano à sua imagem e semelhança, deveria criá-lo livre. Desejando um relacionamento com o ser humano, deveria dar ao ser humano a liberdade de responder voluntariamente ao seu amor, sob pena de ser um tirano que arrasta para sua alcova uma donzela contrariada. Somente o amor resolveria esta equação, pois somente o amor possibilita a liberdade para que o outro possa inclusive rejeitar o amor que se lhe quer dar.
André Comte-Sponville é um ateu confesso (sei que vou levar pedradas) que discorre a respeito do amor divino como poucos que já li. Acredita que o amor divino é um ato de diminuição, uma fraqueza, uma renúncia. Usa os argumentos de Simone Weil: “a criação é da parte de Deus um ato não de expansão de si, mas de retirada, de renúncia. Deus e todas as criaturas é menos do que Deus sozinho. Deus aceitou essa diminuição. Esvaziou de si uma parte do ser. Esvaziou-se já nesse ato de sua divindade. É por isso que João diz que o Cordeiro foi degolado já na constituição do mundo. Deus permitiu que existissem coisas diferentes Dele e valendo infinitamente menos que Ele. Pelo ato criador negou a si mesmo, como Cristo nos prescreveu nos negarmos a nós mesmos. Deus negou-se em nosso favor para nos dar a possibilidade de nos negar por Ele. As religiões que conceberam essa renúncia, essa distância voluntária, esse apagamento voluntário de Deus, sua ausência aparente e sua presença secreta aqui embaixo, essas religiões são a verdadeira religião, a tradução em diferentes línguas da grande Revelação. As religiões que representam a divindade como comandando em toda parte onde tenha o poder de fazê-lo são falsas. Mesmo que monoteístas, são idólatras”.
Você já imagina onde quero chegar. Isso mesmo, entre a onipotência e a bondade de Deus existe a liberdade do homem, e o compromisso de Deus em respeitar esta liberdade. Isso ajuda a entender porque existe tanto sofrimento no mundo. O mal não procede de Deus e não é promovido ou determinado por Deus. O mal é conseqüência inevitável da liberdade humana, que teima em dar as costas para Deus e tentar fazer o mundo acontecer à sua própria maneira. Diante do mal e do sofrimento, o Deus com os homens, encarnado em Amor, também sofre, se compadece, tem suas entranhas movidas de compaixão. E morre. O Deus Amor encarnado em Jesus de Nazaré é assim, entre matar e morrer, prefere morrer.
Mas você poderia perguntar por que razão Deus não acaba com o mal. Isso é simples: Deus não acaba com o mal porque o mal não existe, o que existe é o malvado. O mal não é uma entidade ao lado de Deus. O mal é o resultado de uma ação humana em afastar-se do Deus, sumo bem. O monoteísmo cristão afirma que há um só Deus, e que o mal é a privação da presença de Deus. Os cristãos não somos dualistas que postulamos a existência do bem e do mal. O mal é apenas a ausência do bem. Por isso, o mal não existe, o que existe é o malvado, aquele que faz surgir o mal porque se afasta de Deus, o supremo e único bem.
Ariovaldo Ramos me ensinou assim, e completou dizendo que “para acabar com o mal, Deus teria que acabar com o malvado”. Mas, sendo amor, entre acabar com o malvado e redimir o malvado, Deus escolheu sofrer enquanto redime, para não negar a si mesmo destruindo o objeto do seu amor. Por esta razão Deus “se diminui”, esvazia-se de sua onipotência, abre mão de se relacionar em termos de onipotência-obediência, e se relaciona com a humanidade com base no amor, fazendo nascer o sol sobre justos e injustos, e mostrando sua bondade, dando chuva do céu e colheitas no tempo certo, concedendo sustento com fartura e um coração cheio de alegria a todos os homens.
A equação amor e liberdade na relação entre Deus e o homem resulta um escândalo: um Deus que sofre por amor. E quando Deus sofre, o homem sofre. Ou, na verdade, Deus sofre porque o homem sofre, isto é, Deus sofre porque ama o homem que sofre.

Uma esquerda religiosa e sem esperança - Filipe Samuel Nunes em Gospelprime

As pilhagens e o gosto pela violência que atravessa os Estados Unidos têm surpreendido o mundo. Alguns argumentarão que o problema racial é...